quinta-feira, 1 de dezembro de 2011


O ATO DE LER E ESCREVER

Conceição de Arruda
Dalva Maria de Arruda
Calita Pereira Nunes e Silva


Resumo

Neste Artigo apresentaremos o relato de uma experiência do ensino de leitura e escrita realizada em turmas do primeiro e segundo ciclo. O trabalho com as seqüencias didáticas e, conseqüentemente os cinco eixos do conhecimento da Língua Portuguesa: Compreensão e valorização da cultura escrita (letramento); Construção do princípio alfabético (alfabetização); Leitura e interpretação de textos; Produção de textos escritos; Desenvolvimento da fluência em língua oral; contribuiu para a construção uma avaliação e uma orientação da leitura e da produção dos nossos alunos a partir de sua própria experiência, como leitor e escritor. A prática da leitura e da produção textual é que faz com que as crianças criem suas estratégias para um gênero.

Palavras - chaves: seqüencia didática // gêneros textuais // leitura // escrita


Introdução
Este trabalho é um relato da nossa experiência do ensino de leitura e escrita realizada em turmas do primeiro e segundo ciclo.
A proposta da seqüencia didática foi transformar a sala de aula em uma ambiente de interação (TRAVAGLIA, 1997) e em uma experimentação dos cinco eixos do conhecimento da Língua Portuguesa e sua aplicabilidade.
O trabalho proposto foi trabalhar os gêneros textuais e para ensinar os alunos a dominar um gênero de texto de forma gradual, passo a passo. 
O ato de ler e escrever nesta proposta manifestou-se em basicamente quatro níveis:  leitura, escrita , oralidade e aspectos gramaticais
A experiência foi realizada com três turmas, terceira etapa do primeiro ciclo, primeira etapa do segundo ciclo e segunda etapa do segundo ciclo.
Nesse planejamento, deveriam estar contidos os objetivos, a metodologia e a avaliação do trabalho.
É importante ressaltar que, durante todo esse processo, os alunos também apresentaram seu desempenho escolar e sua auto-avaliação através de um caderno que chamado “caderno vivo”, que ficava cada dia sob os cuidados de um aluno nas três turmas. Nesse caderno, o aluno registrava as atividades diárias e sua opinião sobre as aulas, relatando o que foi bom e por que ou o que não foi bom e por que.
É uma atividade para o aluno tornar-se um autor, um cidadão, mas também para mostrar-lhe que é capaz de produzir a sua própria conceituação.
A pesquisa demonstrou que os alunos avaliaram mais os aspectos positivos que negativos, além de demonstrar preocupações com critérios formais como ortografia e pontuação.
O grupo de alunos demonstrou mais interesse pelas aulas, além de usarem não  só os critérios formais, mas também estruturais, semânticos e pragmáticos.
Uma hipótese que pode ser levantada para a explicação desse fato é que os alunos não têm um estilo próprio nem a prática de produzir textos.
Podemos ir mais além, afirmando que é no movimento de leitura orientada, releitura, escrita e reescrita que se constrói um estilo, coisas que a escola também não faz, mas por que não o faz? As razões são as mais variadas, porém pode-se recair sobre a hipótese de que o professor não tem a prática de escrever (escrever envolve muita leitura, releitura e reescritura). 
Guedes (1997) chega a afirmar que é tarefa do professor de língua portuguesa ensinar a ler e a escrever a literatura brasileira, só assim o aluno conseguirá expressar-se em vários gêneros e experimentar a sua linguagem e a linguagem culta de forma a garantir efeitos de sentido esperados. Para este autor, só a prática da leitura e da escrita pode fazer com que o aluno sinta-se ouvido e um verdadeiro cidadão, porém, para isso, é necessário um ouvinte e um leitor qualificado, ou seja, o professor precisa ser um leitor e um escritor. Não se está dizendo que o professor não seja qualificado, mas sim que a prática da leitura, escrita e reescrita faz com que se compreendam mais as angústias por que passam os alunos ao ter que se deparar com um tema para produzir um texto.
A escolha pelas seqüências didáticas é porque se trata de uma metodologia que ensina os alunos a dominar um gênero de texto de forma gradual, passo a passo. Estuda as características próprias de cada texto e leva os alunos a praticar diferentes aspectos de sua escrita antes de propor uma produção escrita final.
Outra vantagem desse tipo de trabalho é que leitura, escrita, oralidade e aspectos gramaticais são trabalhados em conjunto, o que faz mais sentido para quem aprende.
Escolhemos trabalhar com as seqüencias didáticas por entender que para a construção de um estilo, é necessário um grande conhecimento do gênero: a partir da escolha de um gênero que o autor vai buscar uma forma lingüística para melhor expressá-lo (Fiad, 1997).
Assim, fábulas como “O Patinho Feio” não fazem um elogio ao trabalho, nem dão conselhos contra a imprevisão, antes enfatizam a discriminação e clamam pelo respeito à diversidade, porque não é algo bonito maltratar o “patinho” só porque ele era diferente, assim como não é bonito não querer bem um coleguinha diferente, seja na cor da pele, na maneira de falar de se vestir ou fisicamente, quando podemos fazê-lo sentir-se feliz ao nosso convívio.
Seria a prática acima um estudo sobre fábula? Acreditamos que não. Essa prática enfatiza somente o conteúdo do texto que pode ser expresso através de outros  textos, como os contos de fadas, algumas lendas e, contemporaneamente, muitas histórias da conhecida Literatura Infantil. 
É comum trabalharmos com textos narrativos. Porém como demonstrar categorias como tempo e espaço na fábula, já que a falta desses elementos é uma das características do gênero? Como definir personagens, se a presença marcante é a do narrador? Foram perguntas como essas que nos fizeram parar e perguntar: o que é mesmo que devemos ensinar nas seqüências didáticas? O que, então, seria estudar gêneros textuais? Seria o estudo de suas características morfológicas e estruturais? Onde entraria o elemento contextual? Estudaria por autor, quando, muitas vezes, são associadas à sabedoria popular, portanto anônimas? Quando se estudaria a história do gênero?  Fábula? Esse termo parece algo tão óbvio que nem é necessário se pesquisar: fábula é um gênero narrativo, um pequeno conto ficcional, geralmente em versos, em que os animais são os personagens, e manifesta, em uma moral.
Trabalhar os gêneros textuais através das seqüências didáticas é, portanto a forma mais fácil de ensinar os alunos a dominar um gênero de texto de forma gradual, passo a passo. Ao organizar o ensino de língua portuguesa usando a seqüência didática para trabalhar o gênero textual escolhido, o professor explora diversos exemplares desse gênero, estuda suas características próprias e leva seus alunos a praticar diferentes aspectos de sua escrita antes de propor uma produção escrita final.
Outra vantagem desse tipo de trabalho é que leitura, escrita, oralidade e aspectos gramaticais são trabalhados em conjunto, o que faz mais sentido para quem aprende.
Vamos destacar alguns pontos que se destacaram nesta experiência.

MOTIVAÇÃO

A motivação é a peça fundamental no ambiente escolar. Apesar de que se faz necessário distinguir motivação de interesse. As coisas que interessam, e por isso prendem a atenção, podem ser várias, mas talvez nenhuma possua a força suficiente para conduzir à ação, a qual exige esforço de um motivo determinante da nossa vontade.
O interesse mantém a atenção, no sentido de um valor que deseja. O motivo, porém, se tem energia suficiente, vence as resistências que dificultam a execução do ato.

Quando se considera o contexto específico de sala de aula, as atividades do aluno, para cuja execução e persistências devem estar motivadas, têm características peculiares que a diferenciam de outras atividades humanas igualmente dependentes de motivação, como esporte, lazer, brinquedo, ou trabalho profissional (BZUNECK, 2000, p. 10).


Nem sempre as crianças percebem o valor das atividades escolares, pois, muitas vezes, não conseguem compreender a relação entre a aprendizagem escolar e seu valor para a vida fora da escola. O que faz com que elas não se envolvam nas aulas.
Cabe, então, ao professor, motivar as crianças valorizando seus recursos interiores, seu senso de competência, de auto-estima, de autonomia e de auto-realização.
A criança precisa sentir segurança e acreditar que ela é capaz, só depende dela querer fazer.
De acordo com os estudos realizados sobre motivação, planejamos as aulas, de modo que as crianças pudessem se sentir livre para dar suas respostas.
Apresentamos o “caderno vivo” explicando o objetivo desse material em suas mãos, conseguimos com que elas acreditassem que poderiam ser autoras da sua própria aprendizagem.
O segredo motivacional do aprendizado escolar está em conseguir conciliar o desenvolvimento da motivação intrínseca da criança (pela auto-percepção dos avanços obtidos e o processo necessário), segundo Burochovitch & Bzuneck (2004, p. 37) “a motivação intrínseca refere-se à escolha e realização de determinada atividade por sua própria causa, por esta ser interessante, atraente ou, de alguma forma, geradora de satisfação”, com o apoio da motivação extrínseca ou externa (avaliação dos adultos, informações a respeito, elogios verdadeiros, etc).

A motivação extrínseca tem sido definida como a motivação para trabalhar em resposta a algo externo à tarefa ou atividade, como para a obtenção de recompensas materiais ou sociais, de reconhecimento, objetivando atender aos comandos ou pressões de outras pessoas ou para demonstrar competências ou habilidades [...] diversos autores consideram as experiências de aprendizagem propiciadas pela escola como sendo extrinsecamente motivadas, levando alguns alunos que evadem ou concluem seus cursos a se sentirem aliviados por estarem livres da manipulação dos professores e livros (Burochovitch & Bzuneck, 2004, p. 45-46).


Os professores que confiam em um estilo relativamente controlador estabelecem para seus alunos formas específicos de comportamentos, sentimentos ou de pensamentos, oferecendo incentivos extrínsecos e conseqüências para aqueles que se aproximam do padrão esperado. No ambiente de sala de aula o controle é a principal característica.
A motivação deve receber especial atenção e ser mais considerada pelos professores, realçando a importância desta esfera em seu desenvolvimento. A motivação é energia para a aprendizagem, o convívio social, os afetos, o exercício das capacidades gerais do cérebro, da superação, da participação, da conquista, da defesa, entre outros.
O professor que motiva as crianças alcança bons resultados.
Nesta experiência, todas as crianças puderam ser guardiões e responsáveis pelo “caderno vivo”, opinar nas aulas e se auto-avaliar. Estas estratégias foram as motivações para a aprendizagem.

OS CINCO EIXOS DA LÍNGUA PORTUGUESA

Escolhemos as seqüências didáticas porque achamos que seria a melhor forma de se trabalhar com os cinco eixos da Língua Portuguesa.
Os cinco eixos da Língua Portuguesa são:
@ A valorização da cultura escrita (LETRAMENTO: capacidades, conhecimentos, atitudes):
1.       Conhecer, utilizar e valorizar os modos de produção e de circulação da escrita na sociedade;
2.      Conhecer usos e funções sociais da escrita;
3.      Conhecer usos da escrita na cultura escolar;
4.      Desenvolver capacidades necessárias para o uso da escrita no contexto escolar: saber usar objetos de escrita presentes na cultura escolar; desenvolver capacidades específicas para escrever.

 @ Apropriação do sistema de escrita (ALFABETIZAÇÃO: capacidades):
1.   Compreender diferenças entre a escrita alfabética e outras formas gráficas;
2.   Dominar convenções gráficas: Compreender a orientação e o alinhamento da escrita da língua portuguesa;
3.   Reconhecer unidades fonológicas como sílabas, rimas, terminações de palavras: Compreender a categorização gráfica e funcional das letras; Conhecer e utilizar diferentes tipos de letra de fôrma e cursiva;

 @ Leitura (LETRAMENTO: capacidades, conhecimentos e atitudes):
1.      Desenvolver atitudes e disposições favoráveis à leitura;
2.   Desenvolver capacidades de decifração: Saber decodificar palavras;
3.   Levantar e confirmar hipóteses relativas ao conteúdo do texto que está sendo lido;
4.   Buscar pistas textuais, intertextuais e contextuais para ler nas entrelinhas (fazer inferências), ampliando a compreensão;
5.   Construir compreensão global do texto lido, unificando e inter-relacionando informações explícitas e implícitas.

@ Produção escrita (capacidades a serem atingidas: ALFABETIZAÇÃO):
1.   Compreender e valorizar o uso da escrita, com diferentes funções, em diferentes gêneros;
2.   Usar a variedade lingüística própria à situação de produção e de circulação, fazendo escolhas adequadas quanto ao vocabulário e a gramática;

@ Desenvolvimento da oralidade (LETRAMENTO: conhecimentos, capacidades e atitudes):
1.   Participar das interações cotidianas em sala de aula: Escutando com atenção e compreensão; Respondendo às questões propostas pelo professor; Expondo opiniões nos debates com os colegas e com o professor;
2.   Respeitar a diversidade das formas de expressão oral manifestadas por colegas, professores e funcionários da escola, bem como por pessoas da comunidade extra-escolar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O “caderno vivo” motivou a participação das crianças ao oportunizar momentos de troca, de participação ativa, de autonomia sobre sua realização.
Cada dia uma criança ficava responsável pelo “caderno vivo” e nele registrava todas as atividades, no final relatavam os pontos positivos e negativos da aula. Mas, como elas estavam empolgadas, não encontravam ponto negativo. Pelo contrário, as dificuldades não eram entendidas como ponto negativo, mas, como desafio que logo seria resolvido.
Essa idéia funcionou muito bem, porque as crianças se esforçavam para manter o caderno bonito, limpo e sem rasuras, além de capricharem ao máximo para não apontar ponto negativo e ao ler sua auto-avaliação recebe elogios da professora e aplausos dos colegas.
Porém, foi-lhes esclarecido que não deveriam caprichar só pelo motivo de receber essa compensação, mas, porque precisam desses conhecimentos para o seu dia a dia.
Interessante também que essa idéia trouxe os pais e as mães à escola também pela curiosidade de conhecer o tão comentado caderno e se era verdade que seu filho ou sua filha estava mesmo sabendo fazer todas as atividades.
Portanto, considerando essa experiência uma ação positiva, resolvemos registrar para que outros professores, se desejarem, também possam experimentar essa estratégia para motivar sua turma e melhorar o rendimento escolar de suas crianças por elas mesmas, evitando o estresses de ter que ficar chamando a atenção das crianças o tempo todo ou ficar mandando reclamação para os responsáveis, ou ainda com alunos desinteressados e faltosos em sala de aula.


LEITURAS REALIZADAS

Para seguirmos adiante com a idéia do “caderno vivo”, realizamos algumas leituras e vamos apresentar aqui esses autores:
BUROCHOVITCH, E.; BZUNECK, J. A. (orgs.).  A motivação do aluno: contribuições da psicologia contemporânea. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
BZUNECK, J. A. As crenças de auto-eficácia dos professores. In: F.F. Sisto, G. de Oliveira, & L. D. T. Fini (Orgs.).  Leituras de psicologia para formação de professores. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2004.
CASTRO, M. B. 2004. A fábula: tradição e mudança. Porto Alegre, Dissertação de Mestrado, UFRGS, 126 p.
ESOPO. 1997. Fábulas. Porto Alegre, L&PM, Coleção L&PM Pocket, 184 p. 
FIAD, R. S. 1997. Análise de episódios de reescrita reveladores da construção de um estilo. In: V. Organon 11, nº 25, Porto Alegre, Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, p. 57-69
GUEDES, P. C. 1997. A língua portuguesa e a cidadania. In: Organon. V. 11, nº 25, Porto Alegre, Instituto
de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, p. 83-99
KAUER, M. A. e FAVERO, T. O. 1997. Um novo olhar para o texto discutindo a avaliação. In: Organon. v. 11, nº 25, Porto Alegre, Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, p. 83-99
TRAVAGLIA, L. C. 1997. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus.2ª ed., São Paulo, Cortez, p. 21-23